Atividades Desenvolvidas pelos Voluntários do ES na ROER-Petrópolis

Relatório de Serviço Voluntário Prestado no período de 17 a 23 de janeiro de 2011 na Região Serrana do Rio de Janeiro.

Ato de Convocação: Dadas as circunstâncias de urgência, a convocação foi feita via “e-mail” conforme o transcrito abaixo, ipsi literi:

“Renan, vem prá cá. Precisamos de gente com experiência para colocar no trabalho. Teresópolis está com pouquíssimos radioamadores atuando… Devemos abrir mais três frentes e estou na minha limitação de capacidade… Estamos comprando rádio e repetidores para colocar, mas vai faltar pessoal…”

O Sr. Fabio Hoelz, PY1ZV, Coordenador da ROER achou por bem convocar o Sr. Renan de Almeida, PU1ARE e o Sr. José Carlos Morosini, no afã de instalar um posto avançado de comunicação num ponto remoto que se encontrava isolado onde, até então, a comunicação somente se processava no momento de pouso das aeronaves, que ali pousavam de forma precária e insegura devido a instabilidade do terreno, causando, assim, retenção da mesma no momento que poderia estar sendo utilizada no resgate e transporte de agentes, medicamentos, vacinas, patrulhas de busca e equipes médicas para pontos mais distantes onde a necessidade imperava.

Relato com certa tristeza e constrangimento que a partir do momento que nos apresentamos ao Sr. Fábio Hoelz na Central da ROER em Itaipava, tivemos que esperar por dois dias para sermos transportados por aeronave até o local do sinistro propriamente dito. A prioridade de embarque foi dada a autoridades políticas, repórteres e fotógrafos enquanto permanecíamos na base de lançamento e pouso no Centro de Convenções. Foram dois dias de expectativa e ansiedade.

Ao chegarmos ao local isolado chamado Brejal, mais precisamente Fazenda Santo Affonso, fomos recebidos pelo Sr. Mauro e Sr. Adriano, proprietários do local. Em breve conversa tomamos conhecimento da situação da região vizinha. Tomamos, então, consciência de que estávamos num ponto de convergência entre as seguintes localidades: Santa Rita, Cruzeiro, Posse, Brejal, Socorro, Andrada, Rio Bonito, Bonfim, Correa, Vale do Cuiabá, Pedro do Rio e Teresópolis.

Soubemos ainda que na própria fazenda perderam-se três vidas: a mãe do proprietário D. Rosalina (já sepultada) e uma funcionária chamada Daiana, que estava grávida e seu filho Israel. Estes dois últimos foram levados pelas águas juntamente com a casa em que moravam a uma certa distância do Rio e ainda estão desaparecidos. As imagens de tamanha destruição encontram-se em anexo.

Enquanto o Sr. Mauro nos relatava com tristeza e grande pesar as perdas irreparáveis tanto pessoal como material, agilizamos a montagem da estação e aos 45 minutos que estávamos no local fizemos então o primeiro contato com a CETRAC – Central de Comunicações da ROER em Itaipava. Foram instalados os seguintes sistemas irradiantes:

uma antena G5RV – Antena Multibanda para HF;

uma antena GP9 – Antena Dual Band VHF e UHF de alto ganho;

uma antena Aquario m220 – Antena Dual Band VHF e UHF;

Os seguintes transceptores:

um TS-570S – Tranceptor HF e 6m 100w de potência All mode

um FT-8800 – Tranceptor VHF e UHF FM

um IC-207h – Tranceptor VHF e UHF FM

3 HT´s

Estes HT´s foram empregados nas equipes médicas e patrulhas de busca dos Bombeiros que nos mantinham informados das necessidades da periferia da estação.

Uma vez instalada a estação e estabelecido a comunicação com a rede, tornou-se necessário plotar um ponto de terreno firme dentro da própria fazenda onde, então, as aeronaves pudessem pousar e decolar com segurança, visto que o terreno próximo encontrava-se instável e movediço e tomado de destroços por onde passaram as águas dos açudes que se romperam nas partes altas da fazenda.

Após inspeção visual e sondagem minuciosa do local próximo à cocheira, mais precisamente, na marcação S22º 19.040′ e W43º 01.404′ estabeleceu-se o local como “heliponto”, improvisamos um cintel, traçamos um círculo e no centro colocamos a letra “H”, símbolo internacional de ponto de pouso e decolagem de aeronaves de asa móvel. Capinamos o pasto, retiramos os destroços e alí então o símbolo ficou circunscrito com o próprio solo.

Enquanto Renan guarnecia a estação eu orientava os pilotos no pouso e decolagem das aeronaves com os sinais convencionais. Orientávamos também as pessoas com os procedimentos básicos de segurança para embarque e desembarque com a aeronave em pleno funcionamento.

À proporção que íamos tomando ciência das notícias e necessidades locais, fazíamos então um “QTC” (Comunicado) com a CETRAC (Central da ROER) que então repassava ao Sr. Ricardo Gane, ao Secretário Peixoto e ao Coronel Souza Viana conforme necessário para que planejassem as atitudes cabíveis para resolver ou amenizar os problemas em pauta.

Ao cair da noite fazíamos uma avaliação do progresso de cada dia e estabelecíamos metas para o dia seguinte. Ficávamos com o gerador em funcionamento até 01:00h para que no dia seguinte as baterias estivessem plenamente carregadas, proporcionamos também iluminação parcial na casa sede da fazenda, bem como condições para ligar a TV e o decodificador de satélites e o pessoal assistir ao Jornal Nacional, onde os mesmos eram parte da notícia.

O primeiro contato com o noticiário foi de choque ao perceberem a amplitude da catástrofe que se abatera sobre toda a região Serrana do RJ. Houve choro e lamento, mas depois a resignação. Se conscientizaram que não foram os únicos a sofrer com tantas perdas e destruição.

As pessoas que nos receberam na fazenda Santo Affonso: Sr. Mauro, Sr. Adriano e Sr. Antônio, o fizeram com fidalguia e desprendimento. Puseram-se à disposição para nos ajudar em tudo, bem como socorrer os vizinhos que se encontravam em situação precária.

No dia seguinte achamos por bem percurtir pelo terreno por meio à lama, pirambeiras, destroços, animais mortos e caminhos escabrosos, além de um maldito mosquitinho chamado Maruí, que nos deixou todo inchado: coçávamos até ferir.

O Sr. Antonio, funcionário da fazenda, voluntariamente tornou-se nosso guia e assim seguimos no que restou da estrada até encontrarmos as máquinas que estavam trabalhando para abrí-la.

Ficamos perplexos ao nos depararmos com vossorocas de cerca de 15 metros de profundidade e pedras de cerca de 10 ton onde um dia fora a estrada, via de acesso para a fazenda e demais localidades.

Em breve deliberação, junto ao Sr. Adriano, o Cabo BM Barbosa e o técnico da empresa contratada pela prefeitura para abrir a estrada, concluímos que recuperar a passagem original era algo inviável, pois demandaria muito tempo, trabalho e necessidade de outras máquinas para compactar o terreno.

Aventamos a possibilidade de abandonar a estrada antiga e se abrisse uma nova estrada, o que se tornaria bem mais rápido e menos dispendioso. Ao retornarmos à fazenda, conversamos com o Sr. Adriano que prontamente nos concedeu permissão em caráter temporário para a estrada passar por dentro da Fazenda Santo Affonso, fazendo com que se ganhe cerca de uma semana de trabalho. Em contato com o Sr. Ricardo Gane, informamos sobre esta possibilidade e o mesmo em interlocução com o Cel. Souza Viana nos autorizou com o procedimento aventado no intuito de diminuir o tempo de trabalho para o acesso por vias terrestres até Santa Rita.

Na caminhada de retorno à fazenda, nas partes mais altas, pudemos vislumbrar os pontos de desmoronamento que geraram tamanha destruição. A sede da fazenda fica localizada em um vale e as montanhas que a cercam ao norte, ao sul e a leste e a oeste todas tiveram grandes desmoronamentos, arrastando árvores de 40 cm de diâmetro x 20 m de comprimento, pedras de aproximadamente 10 a 15 toneladas e volume de terra e escombros incalculáveis.

No decorrer dos dias que permanecemos alí tivemos a honra de receber a gratificante visita dos grupos Lokolamas/Graal, Resgate RADA, jipeiros, trilheiros, montanhistas e motoqueiros que muito nos alegraram diante da manifestação expontânea de solidariedade e espírito de equipe. Com empenho e dedicação em prol da vida. O Grupo Lokolamas e Graal, por exemplo, relataram-nos que saíram de Petrópolis e Itaipava, seguiram com os jipes até a Fazenda Paquequer, nas proximidades do alto Cuiabá e não tendo mais condições de seguir de carro devido aos bloqueios da estrada decidiram seguir à pé até a fazenda Santo Affonso.

Surgiram no tope de um barranco onde existia um remanescente da estrada e ao nos avistar, gritaram pedindo uma indicação do caminho, a fim de transpor o rio por meio ao acúmulo de lama e destroços de toda a natureza. Tomados de lama dos pés à cabeça, às mochilas cheias de gêneros, os corações transbordavam de alegria e realização, os olhos brilhavam e emanavam amor e solidariedade. Dividiram-se em atenção a todos nós, inclusive com os cães que havíamos resgatado. Ocultei-me para chorar diante de tamanha emoção. Não que isso me envergonhasse, mas preocupado com a interpretação das crianças. Invoquei uma prece ao Criador e pedi uma bênção para todos. Acreditem companheiros: eu os tenho como símbolo de solidariedade e perseverança, aceitem este título: “Guerreiros da Paz”. Não consigo expressar com integridade meus sentimentos, pois a emoção fala alto. O coração dispara e os sentimentos me vêm como enxurrada e me invadem a alma. Ainda que breve, nosso encontro marcou-nos profundamente de forma indelével.

No decorrer dos trabalhos, pudemos com muito orgulho e satisfação experimentar um “quê” de realização quando vimos o nosso trabalho, por menor que pareça diante das dimensões incomensuráveis da tragédia, ser tão útil, levando um pouco de alento e solidariedade àqueles infelizes desabrigados por meio à devastação da fúria da natureza.

Proporcionamos condições seguras para o recebimento de vacina, equipe médica, assistência social, patrulhas de busca, água potável e gêneros de primeira necessidade.

Comentário pertinente: No dia em que chegamos, ao sermos apresentados aos companheiros da ROER percebemos de imediato que o pessoal estava trabalhando no limite, tanto da capacidade física quanto mental. O corpo reclama e o psicológico vai a mil. E mesmo assim eles estavam ali, firmes como uma rocha se doando em sua plenitude no afã de dias melhores para aqueles necessitados. Vejo isso como motivo de júbilo e orgulho: Trabalhar ombro a ombro com esses irmãos em prol do bem estar de sua comunidade.

Gostaríamos muito de participar da reunião de encerramento deste trabalho, pois certamente falhamos ou cometemos erros e esta é então a hora de aprendermos para sermos, amanhã, seres melhores.

“Restará sempre muito o que fazer” (Alte. Moraes Rego)

José Carlos Morosini

Sequência das Fotos:

Ponte em Itaipava – 01, Estação da ROER – 02, CAIC Itaipava – 04, Alto Brejal – 01, Equipamentos de Comunicações da FAB – 05, Helicópteros da FAB – 08, Preparativos de Ida para o Brejal – 05, Instalação do Heliponto – 05, Fazenda Santo Affonso – 24, Resgate da Família de Socorro – 06, Fazenda Santo Affonso Antes e Depois – 12, Estação do Brejal – 05, Incursão nas imediações da Faz. Santo Affonso – 17, Bombeiros com HT´s – 02, Decisão da passagem da Estrada pela Faz. Santo Affonso – 03, Retorno a Itaipava – 08

Os vídeos em http://www.youtube.com/gecre2010

 

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1 menção

  1. […] As fotos desta operação encontram-se em http://www.gecre.org/?p=524 […]

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